sexta-feira, fevereiro 11

As Marias do Rio.


Maria, era apenas mais uma Maria. Brasileira, trabalhadora, aproximadamente 42 anos, pele parda, casada com 3 filhos em idades entre 12 e 21 anos. Mais uma sonhadora que levantava todos os dias as 6h para trabalhar e lutar para garantir o sustento dos filhos. Nada de anormal, era dotada de características que a maioria do povo brasileiro se identifica. Nascida em Campinas, interior de São Paulo, saiu de casa aos 15 anos com a promessa de conquistar mais do que dignidade e salário mínimo. Órfã de pai, deixou pra trás a única razão que a faria voltar um dia ao lugar onde teve uma infância tão difícil, a mãe Terezinha. Foi buscar novos ares em Teresópolis-RJ. Dedicada e sensitiva era fascinada por cheiros, especialmente o de flores, mas nenhum a encantava mais do que o cheiro da chuva. A sensação da terra molhada,ouvir os pingos delicados invadirem o solo sem pedir licença, com tanta ternura. Não havia dúvidas de que aquele era o melhor cheiro, o de chuva!
 Aos 18 casou-se com Augusto, com quem teve Pedro, Julia e João. Agora uma mulher casada e com filhos tinha novos rumos na vida e abandonou todos os sonhos individuais de quando mais jovem. 
Esforçava-se diariamente para manter a família unida e em harmonia e considerava-se de muita sorte por gozar de tamanha felicidade perante a família e os filhos. Sentia que mesmo tendo ainda 42 anos, poderia deixar a vida naquele mesmo instante, pois estava completamente realizada. Às vezes ainda perdia-se em sonhos e pensamentos, que desapareciam com a chegada do sorriso do marido ao abrir a porta depois de mais um dia de trabalho. Eram unidos, se amavam, e tinham uma família feliz,
O dinheiro ganho por Augusto certo dia em uma aposta, rendeu à família um pequeno negócio, uma padaria, que proporcionava sustento e trabalho a todos os membros.
Pedro passou no vestibular para uma universidade pública, realizando e orgulhando ainda mais os pais.
Como de costume se reuniram naquele réveillon, agradecendo por tudo o que houve de bom e fazendo promessas de melhoras e vida nova para o ano seguinte.

Teresópolis, janeiro 2011.
Era uma segunda feira comum, dia de trabalho e claro, rotina. Maria decidiu que iria mais tarde à padaria, tendo tempo para resolver assuntos domésticos. E de repente foi tomada por aquele cheiro, inebriante, aquele que tanto apreciava.E se perdera em pensamentos contando a quanto tempo não parava para prestar atenção...no cheiro de chuva!
Caía fina, suave com autoridade e uma delicadeza que só mesmo a natureza possuía. Na saída para a faculdade, Pedro parou na porta e olhou a mãe tão distante, sorrindo sozinha, olhando a chuva. O gesto o fez sorrir, e então fechou a porta, o barulho despertou Maria do transe que nem percebera ter entrado.
Passaram-se aproximadamente três horas até que Maria terminasse os afazeres e percebesse que não conseguiria sair de casa com o volume de chuva aumentando a cada minuto. Nuvens escuras e espessas, não notara tamanha a fúria que  a natureza havia tomado nas ultimas horas.
Relâmpagos, trovões, falta de energia, água muita água... não lembrava em nada a chuva fina que lhe trazia tanta tranqüilidade.
Um grito alto, angustiante de socorro, e Maria saiu à janela ver do que se tratava, no mesmo instante a água invadiu sua casa, levando móveis, lembranças, conquistas... o lar, o seu lar onde foi tão feliz com sua família. Pessoas eram arrastadas e agarravam-se em qualquer objeto que pudesse servir de ajuda. O desespero tomou seus pensamentos e se viu sem saída, sem ajuda e sem ter pra onde ir. E não havia aonde ir! Teve tempo de olhar para trás e ver um barranco despencando. Fechou o olho com lágrimas escorrendo e lembrou do sorriso de cada filho, do rosto terno do marido. E acabou. Não havia mais lar, não havia mais casa. Não sentiria o cheiro da chuva novamente, não se despediria nem veria novamente cada um dos seus filhos, nunca mais retornaria à casa da mãe.
Sem sonhos, sem planos, sem vida.
O número de mortos aumentava a cada dia, alguém comentou que o noticiário alertava para mais de oitocentos. Mais de oitocentas Marias soterradas. E o país estava atônito com tamanha desgraçada! Mas ninguém sentiu a dor e o desespero pela vida daquele povo. A fome, a calamidade, o caos. E em pouco tempo para o resto do país tudo aquilo seria esquecido, exceto pela retrospectiva no final do ano.
Ninguém conhecia aquelas histórias, ninguém sabia de Maria...
Só restou lama e água, muita água. Água da chuva que Maria tanto apreciava. A chuva que desperta a mente, a chuva que sacia a sede, a chuva que mata gente!

3 comentários:

  1. Caramba.... muito bom o seu texto!!!

    "Ninguém conhecia aquelas histórias, ninguém sabia de Maria...
    Só restou lama e água, muita água. Água da chuva que Maria tanto apreciava. A chuva que desperta a mente, a chuva que sacia a sede, a chuva que mata gente!"

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  2. "A chuva que desperta a mente, a chuva que sacia a sede, a chuva que mata gente!"
    PERFEITO!

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  3. bom, tudo que tinha que falar eu falei no msn, mais novamente Parabens pelos textos, Sinto um orgulho em saber que minha grande amiga, de tanto tempo que a gente ja nem lembra mais, faz esses textos inspirados e inspiradores. Bjus

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